Os Seguros Obrigatórios
1.Introdução
Com a entrada em vigor do atual Código Civil passou a existir praticamente um dogma de que o prazo prescricional para cobrança do Seguro Obrigatório previsto na Lei 6.194/74, conhecido popularmente como "DPVAT", teria diminuído de 20 anos (direito pessoal) para 3 anos, dada a redação do inciso IX, do parágrafo 3º, do artigo 206 do Código Civil Brasileiro, in verbis.
IX - a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório.
Porém, partindo-se da premissa de que na lei não há palavras inúteis, afirmamos que esse dispositivo não se aplica ao seguro previsto na Lei 6.194/74 porque, em que pese ser obrigatório, não é de responsabilidade civil.
2. Dos Seguros Obrigatórios
Entende-se por obrigatório o seguro cuja contratação é imposta por lei. Ao dispor sobre o Sistema Nacional de Seguros Privados, o Decreto-Lei n. 73, de 21.11.1966, em seu artigo 20, estabeleceu quais os seguros serão de contratação obrigatória em nosso país:
Art. 20. Sem prejuízo do disposto em leis especiais, são
os seguros de:
a) Danos pessoais a passageiros de aeronaves comerciais;
b) responsabilidade civil do proprietário de aeronaves e do transportador aéreo; [01]
c) Responsabilidade civil do construtor de imóveis em zonas urbanas por danos a pessoas ou coisas;
d) Bens dados em garantia de empréstimos ou financiamentos de instituições financeiras públicas;
e) Revogada [02];
f) Garantia do pagamento a cargo de mutuário da construção civil, inclusive obrigação imobiliária;
g) Edifícios divididos em unidades autônomas;
h) Incêndio e transporte de bens pertencentes a pessoas jurídicas, situados no País ou nele transportados;
i) Crédito rural;
j) Crédito à exportação, quando julgado conveniente pelo CNSP, ouvido o Conselho Nacional do Comércio Exterior [03];
l) danos pessoais causados por veículos automotores de vias terrestres e por embarcações, ou por sua carga, a pessoas transportadas ou não [04];
m) responsabilidade civil dos transportadores terrestres, marítimos, fluviais e lacustres, por danos à carga transportada [05].
Todos esses seguros são obrigatórios (leia-se "de contratação obrigatória"), sendo que alguns são de responsabilidade civil, enquanto outros não. São de responsabilidade civil os seguros previstos nas alíneas "b", "c" e "m", ou seja: para os proprietários de aeronaves e transportadores aéreos; para os construtores de imóveis em zonas urbanas; e para os transportadores terrestres, marítimos, fluviais e lacustres, para os casos de danos causados à carga transportada.
Art. 5º O pagamento da indenização será efetuado mediante simples prova do acidente e do dano decorrente, independentemente da existência de culpa, haja ou não resseguro, abolida qualquer franquia de responsabilidade do segurado.
Essa disposição contraria o artigo 787 do CCB acima transcrito que define o seguro de responsabilidade civil como sendo o que garante o pagamento de perdas e danos devidos pelo seguro a terceiro. Pois, se o artigo 927 do CCB estabelece que a obrigação de reparar surgirá quando for praticado ato ilícito que cause danos a outrem, sendo que ato ilícito é a ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, que viola direito e causa dano a outrem, ainda que exclusivamente moral (art. 186 CCB), não é razoável pretender que um seguro que garanta a indenização mediante "simples prova do acidente e do dano" sem perquirir acerca do causador ou do responsável pelo sinistro seja considerado como de responsabilidade civil.
A indenização do seguro obrigatório previsto Lei 6.194/74 é paga ainda que a vítima seja o próprio condutor do veículo e único responsável pelo acidente, hipótese essa que é inconciliável com a idéia de responsabilidade civil, porque essa pressupõe um terceiro prejudicado ("outrem"), ou seja, não há de se falar em "responsabilidade civil" quando quem sofre o prejuízo é o próprio causador do dano, pois, nesse caso, estar-se-ia diante da hipótese de uma excludente de responsabilidade que é a culpa exclusiva da vítima.
Aliás, a própria Susep – Superintendência de Seguros Privados – esclarece em seu site ( www.susep.gov.br ) que qualquer vítima de dano causado por veículo automotor de via terrestre pode requerer o seguro, inclusive o motorista.
Então, se o artigo 787 do Código Civil é claro em definir que o seguro de responsabilidade é o que garante o pagamento da indenização devida pelo segurado justamente aos terceiros prejudicados, não há como deixar de afastá-lo do seguro DPVAT (Lei 6.194/74), pois esse garante a indenização até mesmo ao motorista causador do acidente.
O artigo 6º da Lei 6.194/74 prevê que no caso de ocorrência do sinistro do qual participem dois ou mais veículos, a indenização será paga pela Sociedade Seguradora do respectivo veículo em que cada pessoa vitimada era transportada, ou seja, novamente sem qualquer aferição acerca da responsabilidade pelo acidente.
5. Do Prazo de Prescrição do Seguro Obrigatório Previsto na Lei 6.194/74 e do Termo Inicial para sua Contagem.
Não sendo aplicável ao seguro obrigatório previsto na Lei 6.194/74 o prazo prescricional de três anos previsto no inciso IX, parágrafo 3º, do artigo 206, do Código Civil, por não se tratar de seguro de responsabilidade civil, e não havendo disposição expressa específica para os casos de seguros obrigatórios que não sejam de responsabilidade civil, resta então afirmar que a regra a ser utilizada é a do prazo geral de prescrição prevista no artigo 205, ou seja, 10 (dez) anos.
Pelo Princípio Actio Nata o prazo prescricional se conta do momento em que se tornou possível a propositura da ação, sendo que no caso em estudo o que dá o direito à indenização securitária não é o próprio acidente, mas o dano decorrente, seja ele a morte, a despesa com assistência médica e suplementar ou a invalidez permanente.
6.Conclusão
Portanto, não havendo regra específica para o prazo de prescrição dos seguros obrigatórios que não sejam de responsabilidade civil, ao seguro previsto na Lei 6.194/74 aplica-se a regra do artigo 205, que estabelece o lapso temporal de 10 (dez) anos, cuja contagem se inicia não da data do acidente, mas da verificação do dano coberto pela referida lei, ou seja, morte, despesas com assistência médica e suplementar ou invalidez permanente. |