Apesar de garantidas por lei, as vagas de estacionamento para portadores de deficiência são desrespeitadas em estabelecimentos privados da região, em especial shoppings e supermercados da cidade de São Bernardo. Sem fiscalização, os espaços são utilizados por pessoas sem qualquer tipo de problema físico. Para utilizar as paradas reservadas, o condutor deve ter certificado atestado pela Prefeitura e válido em todo o território nacional.
A reportagem percorreu diversos locais durante a semana e flagrou várias irregularidades. Um dos casos mais absurdos ocorreu no supermercado Sonda, em São Bernardo. Um rapaz parou o carro importado em vaga especial – sem credencial de autorização – em frente à porta principal e desceu do veículo mancando. Ao entrar no supermercado, entretanto, o homem passou a caminhar normalmente.
Em uma das unidades do Carrefour em Santo André, motoristas utilizavam os espaços demarcados enquanto estavam no interior da Casa Lotérica localizada no subsolo. Também foi visto automóvel de test-drive da montadora Renault parado sem autorização em uma vaga. Equipes de segurança estavam posicionadas em frente ao espaço reservado, mas nada fizeram para coibir o desrespeito.
No ParkShopping São Caetano e no Shopping Metrópole, em São Bernardo, foram flagrados veículos estacionados nos pontos especiais sem que houvesse credencial. No Shopping ABC, em Santo André, não foram vistos abusos. No entanto, as vagas para deficientes ficam isoladas por correntes e cones, o que dificulta a remoção por parte de um cadeirante, por exemplo.
A resolução 304 do Contran (Conselho Nacional de Trânsito) estabelece que os estacionamentos devem reservar pelo menos 2% das vagas para deficientes físicos ou visuais, desde que haja identificação no veículo.
Ao todo, os sete shoppings do Grande ABC oferecem 194 espaços reservados. Em Santo André, São Bernardo, Diadema e na cidade de Mauá, 3.774 pessoas têm credenciamento para utilizar os espaços especiais. As demais cidades não informaram os números. No ano passado, 1.226 multas foram aplicadas por uso irregular das paradas em São Bernardo, São Caetano, Diadema e Mauá, nenhuma delas dentro de estabelecimentos privados. Santo André não divulgou os números, pois afirma que as autuações são feitas como estacionamento em local proibido, sem especificação.
ParkShopping São Caetano, Metrópole e o supermercado Sonda não se manifestaram sobre as irregularidades constatadas.
O Carrefour informa apenas que “cumpre as determinações legais referentes à disponibilidade de vagas reservadas para pessoas com deficiência” e que os estacionamentos contam com “ampla sinalização”. Os demais estabelecimentos afirmam que também atendem à legislação e que, em caso de irregularidades, o motorista é anunciado pelo sistema de alto-falantes.
Para especialistas, prefeituras são omissas
Para não fiscalizar no interior de shoppings e supermercados, prefeituras da região informam que não têm responsabilidade por efetuar notificações em áreas privadas. A justificativa, no entanto, é contestada por especialistas em Direito da Pessoa com Deficiência.
“Ao construir o shopping, a planta precisa ser aprovada pelo município. Esse tipo de prédio, apesar de ser privado, é de uso público. As prefeituras estão se omitindo”, critica o diretor de Direitos Humanos da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil), Martim de Almeida Sampaio.
O jurista alerta que, nos casos de omissão por parte do poder público, a pessoa que se sentir prejudicada pode, inclusive, protocolar denúncia no Ministério Público. “Em caso de desrespeito recorrente, a Prefeitura poderia até mesmo determinar o fechamento do shopping.”
Sampaio avalia que, ao ignorar o problema, os municípios ferem a Constituição Federal e resoluções da ONU (Organizações das Nações Unidas) que classificam a acessibilidade como direito universal.
A advogada Priscilla Selares, coordenadora do IBDD (Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência) reitera a responsabilidade dos municípios, mas cobra mais pressão por parte da sociedade. “Tem que haver denúncia quando alguém presenciar a irregularidade. Apesar de a prefeitura ter de zelar pelo respeito da legislação, ela não é obrigada a ficar dentro do estabelecimento fiscalizando. Alguém precisa avisar.”
A coordenadora salienta que, além da sensação de impunidade, a população não recebe educação adequada para respeitar os portadores de necessidades especiais. “Se a população fosse educada, nem precisaríamos de fiscalização.”
Multas têm queda de 23,6% em um ano
De 2011 para 2012, o número de multas aplicadas pelas prefeituras por desrespeito a vagas para deficientes teve queda de 23,6%, passando de 1.606 para 1.226 registros. As infrações ocorreram em São Bernardo, São Caetano, Diadema e Mauá.
Santo André informa que contabiliza apenas as autuações por estacionamento em local proibido, sem especificar se a parada foi em área reservada a portadores de necessidades especiais. Os demais municípios não divulgaram os números. As punições foram apenas para irregularidades cometidas nas ruas.
A única cidade que registrou aumento foi São Caetano, passando de 498 para 512 casos – alta de 2,8%. A maior redução, de 75,9%, foi registrada em Diadema, que teve queda de 386 para 93 multas. Ao todo, 405 vagas de estacionamento rotativo são reservadas para deficientes, sendo a maior parte (144) em São Caetano. No ano passado, 3.774 motoristas tinham permissão para utilizar os espaços.
O CTB (Código de Trânsito Brasileiro) estabelece que estacionar o veículo “em desacordo com as condições regulamentadas especificamente pela sinalização” é infração leve, com multa de R$ 53,20 e possibilidade de remoção do carro. O motorista autuado recebe três pontos na CNH (Carteira Nacional de Habilitação).
Apesar de especialistas defenderem a fiscalização dentro de shoppings e supermercados, a lei não cita esses tipos de estabelecimentos privados.
Para que o motorista obtenha a credencial que o autoriza a utilizar as vagas especiais, é preciso apresentar laudo médico que comprove a deficiência ao poder público. O documento é emitido pelas prefeituras e tem validade em todo o território nacional. O certificado precisa ser renovado ao fim do prazo determinado.
‘Ninguém pensa no amanhã’, diz cadeirante
Cadeirante há 16 anos, o marceneiro Abdon Cardoso, 69 anos, vê o desrespeito aos deficientes como atitude egoísta. “As pessoas fingem que não nos veem e, assim, ignoram nossa situação. O que eles não pensam é que, um dia, podem passar por algum problema que os faça perder os movimentos, como um acidente ou doença”, lamenta.
Apesar da indignação, Cardoso diz não cobrar dos infratores que estacionem o carro em outro lugar. “É tanta ignorância que ainda é capaz que queiram arrumar encrenca. Prefiro deixar quieto.” O marceneiro conta, no entanto, que alguns condutores que utilizam as vagas de forma irregular se sentem culpados ao ver por perto quem realmente precisa do espaço. “Teve uma vez que a pessoa veio me pedir desculpas e disse que não cometeria o erro novamente.”
A dona de casa Rosângela Mori, 45, também tem deficiência física, apesar de conseguir andar. Há cerca de cinco anos, ela teve um tumor na medula e precisou fazer cirurgia na coluna vertebral. O problema físico foi agravado por uma artrose.
“Por eu não ser cadeirante, muitos acham que estou desrespeitando a vaga. Já me deixaram bilhete no carro com ofensas por causa disso”, lembra. Rosângela conta que, em dias que as dores estão mais fracas, prefere parar em vagas comuns. “Mas já aconteceu de deixar o espaço para alguém que precisa mais e um engraçadinho acabar parando lá”, reclama. A dona de casa tem credencial para o uso dos locais reservados.
Fonte: Diário do Grande ABC