A dona de casa Selma Cavalcanti, 52 anos, teve paralisia infantil e sofre de sequelas na perna esquerda. Ela depende de prótese e usa muletas para se locomover. Mesmo assim, é obrigada a escalar escadas para ter água em sua casa, na Estrada Municipal, no bairro Tatetos, em São Bernardo. Ela é um dos cerca de 18 mil moradores que dependem do caminhão-pipa para abastecimento em Santo André, São Bernardo e cidade de Diadema. Mauá e São Caetano disseram não ter situações do tipo. Em Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, a Sabesp (Companhia de Saneamento do Estado de São Paulo) não informou.
Para não ficar sem o recurso, Selma, que mora no Tatetos há 26 anos, usa quatro tambores para armazenamento, além da caixa. Quando o reservatório esvazia, é obrigada a puxar com a boca a água dos tambores para colocar na caixa, ligada à tubulação da casa. Antes, porém, sobe até o alto do morro onde fica a residência, tarefa complicada para quem tem dificuldades de locomoção. “Às vezes peço ajuda ao meu ex-marido. Mas se não tiver ninguém, preciso me virar.”
Vizinha de Selma, a dona de casa Hilda Alves de Carvalho, 48, tem quase 20 tambores para armazenar água. Protetora de animais, depende do líquido para dar de beber a 26 cães e 16 gatos e fazer a limpeza do canil. Ela garante que, nas últimas três semanas, o caminhão veio uma vez a cada sete dias, mas nem sempre é assim. “Já ficamos até 20 dias sem água. Quando isso acontece, sou uma das únicas que liga para a subprefeitura do Riacho Grande para pedir o caminhão.”
Em São Bernardo, além do Tatetos, são abastecidos dessa forma os núcleos Santa Cruz, Taquacetuba, Capelinha, Botujuru, Zanzala e Battistini. A periodicidade, segundo a Prefeitura de São Bernardo, o abastecimento de água na cidade de São Bernardo é a cada dez dias.
A administração municipal ainda informou que a responsabilidade por melhorias nesses bairros é da Sabesp, que, por sua vez, não tem previsão de obras por se tratar de áreas irregulares e de mananciais.
Diadema
Histórias semelhantes se repetem no Sítio Joaninha e na Vila Santa Fé, em Diadema, onde ao menos 5.000 pessoas dependem do caminhão-pipa, segundo a Saned (Companhia de Saneamento de Diadema).
Na Rua 4 do Sítio Joaninha, a operadora de caixa Adriana de Almeida, 28, precisa puxar a mangueira pesada do veículo degraus acima. Depois, sobe a escada de pedreiro para chegar ao telhado, onde ficam a caixa d’água e os tambores. “Se o motorista assobiar lá embaixo e ninguém descer para puxar a mangueira, passamos uma semana sem água.”
Apesar de a Saned afirmar que o caminhão abastece o bairro diariamente, as famílias garantem que ele só passa uma vez por semana.
Na casa da auxiliar de limpeza Iraci Pereira dos Santos, 31, o banho é gelado. Por causa das ligações irregulares de energia, o chuveiro não esquenta. “Tomo banho no serviço, ou esquento água e tomo de canequinha.”
Desempregada, Isabel Teixeira, 34, agora tem tempo para limpar os tambores antes de receber o líquido. “Quando trabalhava, se sabia que o caminhão viria no dia seguinte, fazia a limpeza lá pelas 22h.”
Os moradores cansaram de ouvir promessas. A urbanização do bairro, anunciada no ano passado, não saiu do papel. “Meu sonho é ter água na torneira como qualquer um”, diz Adriana, que teme que os reservatórios dos vizinhos atraiam mosquitos da dengue, pois muitos não cobrem as caixas.
Sem pagamento não há água na cidade de Santo André
Em Diadema e na cidade de São Bernardo a água do caminhão-pipa é fornecida gratuitamente às famílias que não têm rede de abastecimento. Em Santo André, porém, os moradores pagam antecipado pelo consumo. Nos bairros Recreio da Borda do Campo e Parque Andreense, quase 10 mil pessoas vivem assim, o equivalente a 2% da população da cidade.
Na quinta-feira, quando a equipe a reportagem esteve no bairro Recreio da Borda do Campo, ao menos dez caminhões-pipas foram e voltaram, cheios e vazios, pela Avenida Mico Leão Dourado.
Na Rua Sagui da Serra, o operador de circuito fechado de televisão Fábio Prado, 27 anos, viu o caminhão passar direto por sua casa. Estava sem dinheiro para comprar o ticket de R$ 76,80, equivalente a 30 mil litros de água, que duram cerca de 40 dias. “Tenho dois filhos pequenos e quase não resta nada na caixa. Vou ter de esperar até a próxima semana para acertar a conta e, assim, ter o abastecimento.”
Para a dona de casa Terezinha de Jesus Costa Gilhon, 57, a situação se define com apenas uma palavra: humilhação. “Sabemos que os motoristas não têm culpa, mas, às vezes, é desesperador. Quando há greves ou atrasos, temos de ficar ligando e cobrando para ter algo que as pessoas tem ao girar a torneira, facilmente.”
Os moradores garantem que as greves são comuns. “No começo deste ano teve uma. Estava aquele calorão e ficamos quase um mês sem água”, relembra o eletricista de manutenção Sidnei Silva, 50.
O morador diz que teve de aprender a economizar. “Reutilizamos a água do tanquinho para lavar o quintal, tomamos banhos rápidos e juntamos roupa antes de lavar.”
Silva reclama ainda que há redes de esgoto instaladas na via, mas que nunca funcionaram. “E somos cobrados.”
Conforme o Semasa (Serviço Municipal de Saneamento Ambiental de Santo André), as redes foram autorizadas pela Secretaria do Verde e Meio Ambiente, já que toda a área é coberta pela Lei de Proteção de Mananciais. A autarquia promete que retomará a complementação das redes de esgoto e elevatórias até o fim de abril e, depois, serão iniciadas as redes de água.
Fonte: Diário do Grande ABC